Me chame de Conceição, tenho 46 anos e moro aqui desde que me entendo por gente. .
Na verdade eu não lembro de quando não trabalhei. Comecei a trabalhar muito novinha, com oito anos de idade. Eu ajudava na “casa de família”, lavava roupa no rio, passava. Mais tarde fui trabalhar nos serviços gerais na capela menino Deus e fiquei por 12 anos. Só saí porque a igreja caiu o teto e está em reforma. Parece que termina esse ano e as irmãs falaram que eu vou voltar. .
Hoje eu trabalho como zeladora no colégio coração de Jesus e a minha filha mais velha, 14 anos, estuda lá de bolsa. Isso pra mim é muito importante, eu desejo muito que ela tenha uma vida diferente da vida que eu tive, que tenha oportunidades diferentes das que eu tive. Ela é super estudiosa e isso alegra muito meu coração. Ver minhas filhas formadas na faculdade é meu maior sonho. .
Por conta do meu trabalho na escola elas vão ter a história que eu posso dar pra elas, de estudo e dignidade! Fico emocionada. .
Eu sou junta com meu marido desde 2003. Digo junta porque não sou casada no padre. Sabe, eu não sei se quero me casar na igreja. Penso que eu devia ter me casado para receber o corpo de Cristo na comunhão, vejo todo mundo recebendo e fico com vontade. Até já tive oportunidade de casar na igreja mas desisti. Algumas pessoas dizem que eu estou em pecado, outras pessoas bem religiosas dizem que eu decepciono elas por não ter casado ainda... mas na verdade eu já me sinto unida com ele. Isso não é o mais importante em um casamento? Amor pra mim não é casamento, é união. Ah, mas eu sinto os olhares diferente das pessoas. .
Isso não me deixa triste, aliás , eu não sou uma pessoa triste. Faz tempo que eu não choro. A minha vida não é toda feliz mas eu não consigo ficar reclamando, pra baixo. Lógico que tenho preocupação, o pior momento foi quando meu esposo esteve desempregado, aí eu chorava dia e noite. Mas esse sofrimento acabou, ele encontrou um serviço, graças a Deus.
A nossa vida é bastante difícil. Já foi de fartura quando o rio era sadio e o pai trabalhava como machante (cortava carne no matadouro e vendia no mercado). O meu irmão é perturbado, a mãe até lhe falou, né? Isso não me deixa triste porque eu sei que ele é boa gente. Foi depois da morte do pai que ele desabou. Francisco ajudava o pai lá com as carnes, a mãe também, a família quase toda era envolvida. Pois você acredita que até hoje ele fala com o pai, diz indignado que não sabe porque ele se foi, que ele pode ficar tranquilo que ele tá guardando a faquinha poderosa. Era assim que o pai chamava a faca que ele usava para cortar a carne.
Teve uma vez que já quiseram tacar fogo no Francisco. Dois homens viram ele dormindo de madrugada bêbado na praça da várzea e colocaram álcool nele todinho, só não finalizaram porque uma vizinha gritou desesperada. Trouxeram ele pra casa e naquele dia ele escapou de morrer.
Como tem gente mal nesse mundo, né? Imagina aí um coração cheio de maldade, fazer mal a uma pessoa perturbada. Quando lembro sinto um horror!
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