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Isabel













Sabe o que eu fico tanto fazendo nessa janela? Eu fico imaginando que a vida é boa e que o sofrimento vai passar. É o meu lugar preferido aqui de casa. .

Eu sou Isabel, tenho 79 anos, tive oito filhos mas apenas cinco permaneceram vivos. Dois morreram cedinho e outro foi um aborto natural. Um dos bebês morreu no parto, minha mãe era parteira e ele já nasceu sem vida. 
Eu nasci em um vilarejo no interior do Moraújo chamado Enjeitado. É um lugar na beira de um açude.  Açude que eu tomei muito banho e lavei muita roupa. .

Vim para Sobral ainda menina com 10 anos para trabalhar em “casa de família”. Comecei trabalhando em uma casa na rua aí da frente. Passei um tempo grande como doméstica. Aos poucos, começaram a perceber meu jeito caprichoso para fazer comida e pediam para me liberar para cozinhar nas grandes festas de Sobral. .

Trabalhei em muitas festas, grandes buffets, viajei para Fortaleza, pro Maranhão. Eu adorava festa, sempre fui festeira, animada e alegre. .

Depois do casamento com Raimundo, que eu conheci na igreja da sé, me mudei aqui pra rua da palha. Aqui que vivemos nosso amor e criamos nossos filhos. (Pausa longa de Isabel olhando a janela) .

Ele era o amor da minha visa. Passei três anos sem sair nem na calçada, agora que estou me recuperando dessa dor. Dói tanto, minha filha. Ele era um homem bom, um marido bondoso, um pai exemplar. A gente ficava todo mundo aqui dentro de casa, uma rede por cima da outra, bem apertadinho mas felizes por estar juntos. .

Ele gostava demais dos filhos, era o maior orgulho dele. A gente se entendia muito, mesmo nos dias que ele chegava queimado (bêbado) ele entrava e dormia, sempre me respeitou. Eu falava e ele me ouvia. .

A morte do Raimundo foi um sofrimento grande, ainda é. Quando a gente ia pra Moraújo ele era o primeiro a entrar no carro. Eu lembro dessas coisas e sinto uma saudade dele, das festas que ele dava na rua, do cuidado com comigo e com os filhos. Que dor traz uma saudade! .
(As filhas de Isabel trazem o álbum de fotografias) 

Olha, sempre gostei de cabelo curtinho. Usei a vida toda assim. Nessa a gente estava na formação do nosso filho lá na praça São João,  nessa é ele com os dois filhos... só ler atrás que tem a descrição. 

Não sei se quero mais olhar, não sei se aguento ver. Ainda bem que eu tenho minhas filhas e meus filhos cuidando de mim, eu frequento a igreja evangélica, isso tudo vai me dando força para continuar gostando de viver. Mas não é fácil! 

Hoje devido à idade começam a chegar os problemas e a saúde fica prejudicada. Eu tenho diabetes e preciso me cuidar. Mas eu não posso reclamar da vida, eu tenho filhos que cuidam muito bem de mim. Isso é que importa, né?

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