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Marieta

Sou Marieta, tenho 80 anos, moro há mais de 62 anos aqui nessa rua e nessa casa. Cheguei em 1958. .

Eu vim para Sobral para sofrer. Nasci em campestre, um lugarzinho próximo a massapê. Depois disso eu vivi bolando no meio do mundo até parar aqui. .

Eu faço aniversário no dia 01 de Janeiro, o dia do começo de tudo. Há muito tempo não sei o que é comemorar, eu vivo com a com a saúde em baixa. Moro aqui com três filhos, todos homens. Mas ao todo tive 13 filhos, nove ainda vivos. Três morreram de nascença e um morreu depois de grande, com 40 anos. 

Um dos filhos que moram comigo, Francisco, nunca mais voltou ao que era depois que o pai morreu. Faz trinta anos da morte do Manuel e faz trinta anos que eu não faço ideia do que meu filho se tornou. 

Ele conversa com o pai, fica indignado porque ele foi embora, fala alto. Todo mundo na rua sabe que ele é assim mas que é gente boa, não faz mal a ninguém. Ele já sumiu várias vezes, já encontramos ele na estrada do Massapê. Ele não quer tomar o remédio, não quer ir pro CAPS. Hoje ele tá melhor, vive na margem do rio caminhando, faz pequenos serviços para a vizinhança,= e é conhecido por todos. 

Uns chamam de perturbação, loucura, sei lá, acho que é uma saudade com muito sofrimento pela morte do pai. .

Eu não sei o que fazer, às vezes choro, falo com ele, mas não adianta muito. Ele só fala nele. Eu mesmo não senti nada com a morte do Manuel, nunca amei ele de verdade. Fui muito judiada, ele tinha outra mulher. Eu não sei o que é o amor até hoje. A única saudade que eu tenho é da minha mãe, Raimunda, que foi tudo na minha vida. .

Sabe, eu tenho medo de morrer por causa da pressão alta. Eu sonho muito durante a noite, um dia tive um sonho estranho, estava na missa e tinha uma toalha de mesa bem colorida, eu colocava dois reais na mão de nossa senhora pedindo pela minha saúde.  Lembro bem da toalha linda de rosa. 

Eu gosto de rosa, gosto de vestido, de roupa colorida. igual essa que estou vestindo.

Eu já tive muita ocupação. Já fui lavadeira aqui no rio acaraú, já cozinhei na “casa dos brancos”, já fui machante. Não sabe o que é? Eu cortava carne no matadouro. Essa profissão foi do meu esposo, minha e dos meus filhos. A carne sempre esteve presente na minha família. Em tempos de fartura matávamos quatro bois por dia. Hoje é tempo de miséria, falta tudo.

Eu fiz um acordo pra comprar essa casa aqui e consegui comprar esse chão lavando e engomando roupa. Hoje querem tirar de mim, acredita? É muito sofrimento. Todo dia uma luta para sobreviver.

Eu já vivi três enchentes nessa casa. Quando inundou eu carregava as trouxas na cabeça. Perdi tudo, só a casa se manteve em pé. Ficamos abrigados no clube dos artistas e no supletivo.

O rio é bonito mas também traz muita destruição.

(Nesse momento Conceição, sua filha, traz pra gente fotografias antigas de Marieta e Manuel).

Onde isso estava, menina?
Meu Deus, não vou deixar mais você levar pra tua casa, vai ficar comigo.

Olha como eu era bonita.
Tinha 25 anos aí. Jovenzinha, jovenzinha.
Eu não sabia mais que essa fotografia existia.

Tem como consertar?
Ah, então pode ficar novinha, sem mancha alguma?

(Marieta não deixou sua filha levar a fotografia de volta pra casa. Ficou olhando durante um bom tempo em silêncio).










Eu gosto de rosa, gosto de vestido, de roupa colorida. igual essa que estou vestindo. 

Eu já tive muita ocupação. Já fui lavadeira aqui no rio acaraú, já cozinhei na “casa dos brancos”, já fui machante. Não sabe o que é? Eu cortava carne no matadouro. Essa profissão foi do meu esposo, minha e dos meus filhos. A carne sempre esteve presente na minha família. Em tempos de fartura matávamos quatro bois por dia. Hoje é tempo de miséria, falta tudo. 

Eu fiz um acordo pra comprar essa casa aqui e consegui comprar esse chão lavando e engomando roupa. Hoje querem tirar de mim, acredita? É muito sofrimento. Todo dia uma luta para sobreviver. 

Eu já vivi três enchentes nessa casa. Quando inundou eu carregava as trouxas na cabeça. Perdi tudo, só a casa se manteve em pé. Ficamos abrigados no clube dos artistas e no supletivo. 

O rio é bonito mas também traz muita destruição. 

(Nesse momento Conceição, sua filha, traz pra gente fotografias antigas de Marieta e Manuel). 

Onde isso estava, menina? 
Meu Deus, não vou deixar mais você levar pra tua casa, vai ficar comigo. 

Olha como eu era bonita. 
Tinha 25 anos aí. Jovenzinha, jovenzinha. 
Eu não sabia mais que essa fotografia existia. 

Tem como consertar? 
Ah, então pode ficar novinha, sem mancha alguma? 

(Marieta não deixou sua filha levar a fotografia de volta pra casa. Ficou olhando durante um bom tempo em silêncio).

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